06 Set S. FRANCISCO E A POBREZA
O titulo que me foi apresentado para esta conferencia pode ser visto em duas perspectivas bastante diferentes:
A pobreza como forma de vida escolhida por S. Francisco;
E o problema da pobreza no mundo, ou S. Francisco e os pobres.
Tanto uma como a outra são muito ricas em virtudes ou em formas de ver a vida cristã que devemos viver. – o conceito de propriedade dos bens – o dinheiro e seu uso – o trabalho – o uso das coisas: pobre, moderado, rico, luxuoso, esbanjador, a pobreza n o mundo, etc. São coisas muito concretas e muito presentes na nossa vida do dia a dia. Isto no que refere à forma de vida escolhida por S. Francisco. Por seu lado o modo com S. Francisco tratava os pobres tem igualmente muitos ensinamentos, tanto no que se refere à nossa responsabilidade na pobreza mundial, ao nosso empenhamento na solução do problema, que riqueza oferecer ao Terceiro Mundo, como à maneira de tratarmos cada pobrezinho de per si, etc. Terei que ser breve, limitando-me a breves apontamentos sobre cada tema.
A POBREZA – FORMA DE VIDA ESCOLHIDA
POR FRANCISCO DE ASSIS
1 – Porque é que S. Francisco quis ser pobre
A opção de S. Francisco pela Santa pobreza nasceu, não da sociedade, mas de Jesus:
A – Muitos intérpretes dizem que S. Francisco escolheu a pobreza como reacção contra a sociedade do seu tempo. Contra o dinheiro que começava a ser a grande força a mandar na vida dos homens.
No séc. XII dá-se uma grande revolução económica: a transição da economia agrária, para a economia comercial. Da estabilidade para a mobilidade – dos castelos para as cidades – dos cavaleiros (senhores feudais) para os comerciantes. O poder que antes estava nas terras (domínios) passou a estar no dinheiro. O poder que antes estava na espada, agora passava a estar na astúcia do negócio. Veio então a burguesia, quem passa a mandar são os burgueses, os habitantes do burgo (ou das cidades), ou seja os comerciantes. Estes, uma vez no poder, começam a favorecer as suas famílias, formam-se as grandes famílias: Os Medici em Florença; os Colonnas em Roma. Daí as poderosas oligarquias… e a acumulação do dinheiro. A opção de S. Francisco teria sido uma reacção contra esta onda cada mais alterosa. e envolvente.
B – Mas não foi assim. A escolha de S. Francisco foi uma forma de encanto por Jesus. S. Francisco foi um enamorado de Jesus, um apaixonado de Jesus Tinha Jesus na boca…. Não compreendemos nada do franciscanismo sem este encanto. Uma vez enamorado, quis ser parecido com Jesus: Jesus, que, sendo Deus se fez homem; sendo homem, fez pobre… uma vez pobre fez-se servo. Jesus pobre no presépio, Jesus pobre em Nazaré, Jesus pobre com os pobres. Jesus pobre na Cruz. Santa Clara tem páginas lindas. S Francisco tem exigências radicais a quem o quer seguir
Jovem rico – Se quere ser perfeito…
Apóstolos – Ide e não leveis nada para a viagem
Discípulos – Quem quiser ser meu discípulo…
Outra palavra que S. Francisco não esquecia: as raposas têm tocas, avezinhas do céu têm ninhos, o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.
Portanto, em S. Francisco de Assis, a nascente da pobreza foi Jesus. Ser como Jesus.
2- A pobreza absoluta
Outro ponto a sublinhar é a distinção entre pobreza relativa e pobreza absoluta. A pobreza relativa consiste no uso pobre das coisas. A pobreza absoluta consiste na renúncia `propriedade dos bens – viver daquilo que não é meu. Nas outras ordens e congregações os indivíduos podem levar uma vida pobre, mas são donos do mosteiro onde vivem, dos bens que usam…. porque a Ordem ou Congregação conservam a propriedade de raiz. Na Ordem franciscana, não. No princípio da Regra diz—se: A Regra e vida dos Irmãos Menores é esta. observar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem próprio e em castidade” fiquem com a palavra sem próprio. E no cap. 6: “Os irmãos nada tenham de Seu: nem casa nem lugar nem coisa alguma, mas, como peregrinos e estrangeiros, vão pelo mundo servindo a Deus em pobreza e humildade, pedindo esmola de porta em porta”. Reparem na primeira frase. O normal seria dizer: “vivendo em obediência, em pobreza e em castidade. S. Francisco substituiu a palavra pobreza por “sem próprio” “sem nada próprio”. Nada tenham de seu, então de quem são os bens que os franciscanos usam?… São da Santa Sé.
Logo após a morte de S. Francisco houve uma questão muito grande sobre este assunto. Alguns membros do clero secular, doutores e mestres em Paris disseram que isto de dizer que os bens são da Santa Sé é uma falsidade. Mas aqui não está só um problema de coisas… nem só um problema jurídico, mas um problema espiritual, uma maneira de ser por dentro compreende-se a reacção contra os franciscanos. Estamos numa sociedade de fidalgos, numa sociedade de Senhores. Senhor vem do latim dominus – daí vem dono – vem domínio (os meus domínios) – vem dom: Dom António… Dom Fernando… Dom Nuno…A doutrina da pobreza absoluta era uma revolução, não só económica, mas social. O Homem pode possuir ou não pode?…
No Cap. Geral de 1967 – em que se renovaram as nossas Constituições discutiu-se muito este assunto. O Capítulo tinha feito grandes alterações. Por exemplo a igualdade, o poder usar dinheiro, o não usar hábito etc. etc. Alguns capitulares queriam que se mudasse também este ponto. Fez-se a votação e ganharam os que eram favor da doutrina tradicional. É que os franciscanos não querem ser donos – senhores – dons – dominar – Querem sentir-se dependentes – de Deus e dos homens -. Querem sentir as coisas, não como direitos, nem méritos, mas com dádivas, presentes… que recebem como os presentes de Natal.
3 – Consequências:
Ser agradecido – Uma das consequências é ser agradecido. Agradecido por tudo
Há um livro que apresenta estas doutrinas com historinhas. Chama-se Florinhas de S. Francisco. A Florinha XIII conta….
É preciso ter um coração agradecido, ter um coração de pobre… ter um coração de filho para ver numas côdeas um presente… para encontrar mais doçura num pedaço de pão duro do que no bolo mais requintado da melhor pastelaria do mundo.
O sentido do trabalho – Outra consequência é o sentido que S. Francisco dá ao trabalho. No seu Testamento S. Francisco recorda. “Eu trabalhava com minhas mãos e quero ainda trabalhar, e firmemente quero que todos os irmãos trabalhem em mister honesto. E os que não sabem aprendam, não pela cobiça de receber o preço do trabalho, mas para dar bom exemplo e repelir a ociosidade”. Hoje S. Francisco diria: “não pela cobiça de receber o preço do trabalho, mas pela alegria de colaborar para a felicidade dos homens. Ponhamos um exemplo: um médico. Que profissão tão bela! Tem qualquer coisa de sagrado. Alegria de curar um doente, de acabar a angústia duma esposa, de ver umas crianças brincar de novo, porque o pai está curado. Mas… se em vez de pensar assim, médico só ‘pensa no dinheiro que lhe pagam, no que os clientes vão deixar na recepção…. Será prostituir o seu trabalho. Isto pode aplicar-se a todos os trabalhos; médicos, enfermeiros, agricultores, construtores civis, domésticas… tudo é fazer a felicidade dos irmãos.
Ser Menor – Não ter poder
Não vem de maiores e minores – categorias em que se dividia a sociedade no tempo Francisco – mas do Evangelho.
Mt. 20, 20 – 28 – Contar o episódio: Os grandes deste mundo têm poder – violência –classe.
Dominam, exploram, acumulam…. querem aparecer nos meios de comunicação social….
Entre vós não há-de ser assim.
Poder – Violência – Prestígio – são conceitos que nem devem passar pela cabeça de um franciscano… nem dum cristão.
Por isso o franciscano não deve procurar as elites, mas aproximar-se da gente mais humilde. Nas aldeias e nos bairros da periferia.
Ajuda a ser fiel à pobreza como imitação de Jesus.
5 – Consequências
Respeito pela liberdade do outro – Uma das consequências desta forma de pobreza é o respeito pelo outro, sobretudo o respeito pela sua liberdade. Ser cristão é qualquer coisa vem a partir de dentro. Outra florinha: Florinha XXV. Os Ladrões de Monte Casale.
O grande problema da Evangelização hoje é “saber tocar o coração das pessoas”.
II – O PROBLEMA DA POBREZA NO MUNDO
Se a pobreza é tão linda, então não acabemos com ela. Nada disso. Toda a Bíblia é um testemunho do amor de Deus pelos pobres e uma exortação aos ricos a que repartam com eles os seus bens. Mas há três atitudes que importa cultivar. A justiça social cristã é diferente da justiça social marxista.
Acabar com a pobreza material, mas sem matar a pobreza espiritual – Isto é sem apagar os sentimentos de amizade, de fraternidade, de solidariedade, de igualdade, de gratidão que devem – pelo contrário – crescer ais e mais entre as pessoas e os povos.
Passar para os povos do Terceiro Mundo a mentalidade europeia da ganância, da economia do lucro, da riqueza, da luta de classes… é um desastre e será um risco muito grande. Basta pensar no terrorismo.
Ver os pobres como irmãos – Foi assim que fez S. Francisco. Não criou uma instituição para acabar com os pobres, mas sim para acabar com a distância dos pobres. Mostrar que eles são nossos irmãos.
“O Senhor me conduziu ao meio deles”. S. Francisco foi para o meio dos pobres. Não se retirou para um mosteiro, lá no meio do campo, mas, como Jesus, pôs-se a andar pelo mundo. Foi talvez a maior revolução feita por Francisco: ser itinerante.
Itinerante não só de pés, mas sobretudo de coração. Saber mostrar amizade ao irmão pobre. (O caso do Pai Amárico).
A alegrai de partilhar – A partir do Coração – Como acabar com a pobreza do mundo com espírito cristão. Permiti que me sirva de mais uma florinha de S. Francisco A refeição com Santa Clara. (Fl XVI). Sublinhar as últimas palavras. Quando os homens se sem tirem cheios da felicidade de coração partilharão com alegria do que têm nos bolsos e nos bancos.
Será possível? Eu penso que sim. Quando as estruturas mundiais de política se convencerem disso… e difundirem essa alma nova a partir das creches e das escolas e das catequeses e das universidades e das assembleias da República, etc. o mundo mudará.
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