
12 Jan ABERTURA DO 8º CENTENÁRIO do CÂNTICO DAS CRIATURAS
Na sexta-feira passada, dia 10 de janeiro de 2025, teve lugar, no Centro Cultural Franciscano (Seminário da Luz), a abertura oficial do Centenário do Cântico das Criaturas de S. Francisco de Assis, também conhecido como Cântico do Irmão Sol.
Os franciscanos portugueses anteciparam, assim, a abertura oficial do mesmo Centenário, a nível mundial e de toda a Família Franciscana, que aconteceu no dia seguinte, 11 de janeiro. Embora celebrado em simultâneo em muitos outros lugares, o epicentro desta abertura do Jubileu do Cântico teve lugar no Santuário de S. Damião, em Assis, com a presença dos Ministros gerais dos diversos ramos da Família Franciscana.
Francisco de Assis, já quase completamente cego e lacerado por grande sofrimento, compôs o Cântico das Criaturas. Com um olhar de fé e transbordante de gratidão, contempla as maravilhas da criação e consegue ver a presença do Criador em todas as criaturas, das maiores às mais pequenas, do “irmão” Sol, à irmã erva daninha que considera tão importante como as flores, a lua e as estrelas. Tudo é bom, todas as criaturas são belas porque obra do mesmo Deus Suma Bondade. A originalidade de Francisco reside precisamente neste irmanar todas as criaturas no mesmo louvor. Cada ser da criação constitui uma nota musical do único e mesmo coro da criação, que, em clave de Sol maior, canta e louva o Criador, “grande esmoler [que] distribui abundantemente com clemência misericordiosa e bondade (Tomás de Celano, Vida segunda, 77).
O Cântico do Irmão Sol que merece as honras de primeiro poema lírico da literatura italiana tem tanto de novidade como de peculiaridade no seu próprio género. Ernest Renan, considerou-o «le plus beau morceau de poésie religieuse depuis les Évangiles” . Num estudo sobre a Literatura italiana G. Pozzi, vê no CC “na transparência da forma poética, como uma parede de palavras que apenas protege a Palavra: à maneira de uma iconóstase verbal”.
Cântico do Irmão Sol
As fontes referem o CC sob duas designações principais: Canticum fratris Solis; Canticum creaturae; Laudes criaturarum (ou ainda Canticum Fratris Solis vel Laudes creaturarum).
O título Canticum Fratris Solis – Cântico do irmão Sol, será o que melhor corresponde ao intuito de S. Francisco “que considerava o Sol a mais bela de todas as criaturas e a que maior semelhança tem com Deus, pois que na Escritura é camado sol de justiça (Benedictus): Por isso, ao escolher um título para os Louvores que fez sobre as criaturas, deu-lhe o nome de Cântico do Irmão Sol” (Espelho de Perfeição, 119)
Percebemos assim melhor que o Sol não é apenas a primeira das criaturas louvada, mas todo o CC está composto sob o signo do Sol “que do Altíssimo, porta significatione” (CC 4).
O autor da Compilatio Assisiense qualifica a o Cântico de Francisco de novo. E é realmente “novo”, na forma, no conteúdo, mas também na sua intenção programática.
Dirigido ao Altíssimo omnipotente e bom senhor, Francisco não compõe um salmo, embora inspirada nos Salmos e cânticos (laudes) litúrgicos (como sugere S. Boaventura, Legenda Maior, IX,1); não é uma oração igual ao que até então se conhece; não é tampouco um mero poema… Modelado livremente ao ritmo de um salmo e cântico bíblico, reflete a prosa ritmada ou rimada usada nas canções populares do tempo de Francisco. Sendo uma oração, não é, portanto, um canto eclesiástico ou litúrgico; sendo um cântico, não deixa de ser uma prece adequada ao ambiente eclesial e pregação.
Ele é, por isso, muito mais que uma Oração, ou o cântico de um canta-autor (chansonniers, como então chamavam os trovadores): é, na intenção do seu autor, um guião (vademecum) de reconciliação com Deus, com as criaturas, com o Homem.
O Cântico das Criaturas é a síntese poética e espiritual de uma alma entusiasta, e expressão cabal de um homem de fé totalmente realizado. Como confirma o biógrafo, “ex abundantia cordis os loquebatur e uma fonte de amor ardente preenchia o seu interior e transbordava para fora” (Celano, Vida primeira, 115). Em Francisco o homem orante e o homem cantante coincidem, sobretudo porque para Ele Deus baila, Jesus ri e o Evangelho é uma “Boa notícia” que se traduz na perfeita alegria. Por isso nos manda pragar cantando e cantar alegremente.
É ainda oportuno lembrar que Francisco compôs este Cântico, não para se consolar… (ao jeito de quem canta seus males espanta…). Pelo contrário, há uma intencionalidade programática no seu canto: Uma intencionalidade profundamente positiva e finalidade pastoral (política) do CC que Francisco compôs para ser cantado nas praças, no contexto da pregação (cada vez mais urbana dos Franciscanos); para divulgar a mensagem de louvor, paz e perdão; para ser interpretado, apropriado por nós também…
O facto atestado de Francisco ter composto também uma música para a letra do seu Cântico confirma a sua intencionalidade pastoral original. Como é sabido, o Cântico é também um hino destinado a ser cantado e talvez até a ser dançado.
Pena que muitos pastores e liturgistas de hoje percam tanto tempo em palavras sem poesia, em sermões sem júbilo sem música, e em músicas que não apeteçam a bailar com Deus, como fazia Francisco.
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