19 Out CHOCANTE DESIGUALDADE – Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
Foi com indignação que muitos receberam recentemente a notícia de que a disparidade entre o nível dos salários dos dirigentes de topo das maiores empresas portuguesas, por um lado, e o nível dos salários médio e mínimo dos trabalhadores dessas empresas, por outro lado, já de si muito elevado (chega a atingir, nalguns casos, a proporção de um para cem), se acentuou no período de crise económica que atravessámos: entre 2010 e 2017, os salários desses dirigentes subiram cerca de 50%, quando o salário médio desses trabalhadores desceu cerca de 6% (ver Expresso de 29/10/2018). Esta situação vem confirmar e agravar a mais geral desigualdade de rendimentos que caracteriza a sociedade portuguesa. Revela uma particular injustiça diante dos sacrifícios por que muitos passaram durante o período dessa crise e de que ainda hoje não recuperaram.
Esta temática da desigualdade de rendimentos em Portugal tem merecido a atenção da Comissão Nacional Justiça e Paz, que a ela dedicou a sua conferência anual de há dois anos, à qual deu o título: “Sociedade Desigual ou Sociedade Fraterna?”
Consideramos, na verdade, que uma sociedade com um tão acentuado grau de desigualdade de rendimentos se afasta de um modelo de sociedade justa, coesa e fraterna. E o mesmo se diga em relação a cada empresa onde se verifiquem tão grandes disparidades salariais, se encararmos a empresa como uma comunidade de pessoas, unidas em torno de propósitos que deveriam ser, em larga medida, comuns. O sentimento de pertença a uma comunidade, a comunidade nacional ou a comunidade da empresa, muito se enfraquece em face dessas desigualdades.
Afirma, de forma clara e vigorosa, o Papa Francisco que enquanto não forem atacadas as causas estruturais da desigualdade social, que é a raiz dos males sociais, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum (Evangelii Gaudium, 202).
As desigualdades salariais a que assistimos nas maiores empresas portuguesas vão muito para além do que poderia justificar o incentivo ou a recompensa do mérito. De um modo geral, os salários dos dirigentes do topo não dependem estritamente do sucesso da empresa e mantêm-se mesmo quando não se verifica esse sucesso. Não pode ignorar-se, por outro lado, que o sucesso de uma empresa nunca depende unicamente do trabalho dos seus dirigentes, mas de um trabalho de equipa onde todos desempenham o seu papel. Também a cada um dos trabalhadores são devidos o incentivo e a recompensa.
São chocantes os muito elevados níveis salariais dos dirigentes de topo das maiores empresas portuguesas, que rivalizam com os de outros países europeus mais ricos, sobretudo porque contrastam com níveis salariais mínimos e médios muito inferiores aos desses países. O fosso deve, por isso, ser atenuado sobretudo através do aumento desses níveis salariais mínimos e médios.
Sem indicarmos medidas concretas para corrigir esta situação, por entendermos que não nos cabe fazê-lo, queremos manifestar a nossa indignação perante esta chocante desigualdade e apelar a que, de uma ou outra forma, ela seja corrigida.
Lisboa, 16 de outubro de 2018
A Comissão Nacional Justiça e Paz
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